A (In)Arbitrabilidade dos Dissídios Individuais Trabalhistas - Benedito Aparecido Tuponi Júnior |
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Publicado em FEV de 2013.
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Benedito Aparecido Tuponi Júnior Especialista em Direito do Trabalho, Mestrando da Unicuritiba. |
RESUMO: Controverte a doutrina brasileira a respeito da arbitrabilidade objetiva dos dissídios individuais do trabalho, centralizando-se a discussão em torno da definição da disponibilidade ou não dos direitos trabalhistas. Perpassa a solução da divergência pela recuperação das noções de princípios e de indisponibilidade na teoria geral do direito e sob a ótica do ramo especializado do direito do trabalho. No decorrer desse trajeto, confronta-se com uma tendência pró-arbitragem descompromissada com os princípios que inspiram o direito do trabalho, geradora de uma interpretação distorcida e prejudicial ao ordenamento jurídico como um todo, que cumpre ser corrigida por meio da interpretação sistemático-constitucional do caput do art. 1º da Lei nº 9.307/1996.
ABSTRACT: It controverts the brazilian doctrine regarding the objective arbitrability of the individual labor agreements, centering itself it quarrel around the definition of the availability or not of the labor rights. The solution of the divergence passes by the recovery of the slight knowledge of principles and non-availability in the general theory of law and under the optics of the specialized branch of the labor law. In elapsing of this passage, confront itself with a uncompromised pro-arbitration tendency of the principles that inspire the labor law, generating an interpretation distorted and prejudicial to the legal system as a whole, that it fulfills to be corrected by means of the systematic-constitutional interpretation of the article 1º of the Law nº 9.307/1996.
Ultrapassada e afastada a discussão sobre a inconstitucionalidade da Lei de Arbitragem por violação do inciso XXXV, do art. 5º, da Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal, o instituto da arbitragem vem se disseminando a passos largos como solução alternativa de conflitos ao sobrecarregado Poder Judiciário estatal.
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Não obstante a vasta e respeitável doutrina desenvolvida nos onze anos de vigência da Lei nº 9.307/1996, inúmeras controvérsias gravitam na órbita de sua aplicabilidade, sobretudo concernentes à determinação de quais matérias estariam sujeitas a referido procedimento, ou, em outras palavras, quanto à arbitrabilidade objetiva.
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Uma das matérias mais controvertidas na doutrina arbitral pátria refere-se à arbitrabilidade objetiva dos dissídios individuais trabalhistas, oscilando os estudiosos quanto à definição da disponibilidade ou indisponibilidade desses direitos sociais, opção que esclareceria a sujeição da matéria ao procedimento arbitral, nos moldes do art. 1º da Lei de Arbitragem.
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Frente a essa problemática - indefinição da arbitrabilidade objetiva dos dissídios individuais do trabalho -, a intenção do presente trabalho é fornecer elementos doutrinários para sua resolução, por meio da reconstrução da noção de princípios e de indisponibilidade na teoria geral do direito (capítulo 2), para, em seguida, abordar a interação dessas categorias no microssistema do direito do trabalho (capítulos 3 e 4), possibilitando, ao final, avaliar a consistência das posições doutrinárias envolvendo a temática abordada (capítulo 5).
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1 A QUESTÃO DA ARBITRABILIDADE
1.1 Arbitrabilidade objetiva
A arbitrabilidade 1
"Arbitrabilidade é uma condição pela qual um determinado caso se enquadra ou não aos fatos de uma certa disputa para determinar se a controvérsia é ou não sujeito à resolução pela via arbitral. [...] Arbitrabilidade, nesta perspectiva, é uma condição distinta e mais ampla do que a questão de validade do pacto arbitral." (FINKELSTEIN, Cláudio. A questão da arbitrabilidade.
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Revista Brasileira de Arbitragem, Porto Alegre, n. 13, p. 24-30, 1º jan. 2007. Trimestral. p. 24)
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objetiva refere-se à propriedade do litígio envolvendo determinada matéria poder ser decidida por meio do instituto da arbitragem, ao passo que a arbitrabilidade subjetiva atine a possibilidade de determinadas pessoas poderem sujeitar suas controvérsias à apreciação via jurisdição arbitral 2
ALMEIDA, Ricardo Ramalho.
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Arbitragem comercial internacional e ordem pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 79.
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Numerosas as controvérsias doutrinárias envolvendo o tema da arbitrabilidade, tanto objetiva, quanto subjetiva, sendo exemplo clássico as questões pertinentes aos contratos firmados pela Administração Pública 3
"Na extremidade mais conservadora do pensamento jurídico, sustenta-se que em nenhuma hipótese poderia o Estado comprometer, por lhe faltar capacidade para tanto, já que a arbitragem, no dizer de Lúcia Vale Figueiredo,
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não poderia servir para dirimir questões em que está envolvido o interesse público.
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Com fundamento no princípio da indisponibilidade do serviço público, alega-se a incompatibilidade do juízo arbitral em contendas pertinentes à Administração Pública, em vista de ser a alienação de bens públicos condicionada à autorização legislativa prévia, como noticia Caio Tácito." (GLEBER, Eduardo. A solução de controvérsias em contratos de parceria público-privada. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, n. 2, p. 60-72, 1º maio 2004. Trimestral. p. 62)
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Importa, para o caso em tela, os critérios para fixação da arbitrabilidade objetiva de determinada matéria, os quais são fornecidos pela parte final do caput do art. 1º da Lei nº 9.307/1996 4
Lei nº 9.307, de 1996, art. 1º:
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"As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis".
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, ao estabelecer que a arbitragem incide na resolução de litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.
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Carmona 5
Arbitragem e processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 56.
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menciona como hipóteses de direito indisponíveis e, portanto, excluídas do âmbito da jurisdição arbitral as matérias concernentes ao direito de família, com ao estado das pessoas como a filiação, o pátrio poder, casamento e alimentos, bem como aquelas relativas ao direito de sucessão e ao direito penal, dentre outras.
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Identificadas as condições para definição da arbitrabilidade objetiva, passa a ser objeto do presente trabalho estabelecer se os direitos trabalhistas são direitos patrimoniais disponíveis; em outras palavras, estabelecer se as controvérsias envolvendo direitos trabalhistas podem ser resolvidas pela via da arbitragem.
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Estabelecido que as matérias sujeitas à solução pela via arbitral são aquelas correspondentes a direitos patrimoniais disponíveis, o ponto central, mas não único 6
"A arbitragem de conflitos individuais de trabalho deparou-se com a resistência de alguns juristas, aquartelados em dois principais segmentos: os primeiros, alegando a indisponibilidade dos direitos trabalhistas; os segundos, a inadequação do procedimento para os processos de pequeno valor." (YOSHIDA, Márcio. A arbitrabilidade dos direitos trabalhistas.
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Revista Brasileira de Arbitragem: Os novos rumos da arbitragem no Brasil, Porto Alegre, n. 0, p. 181-184, 1º jul. 2003. Quadrimestral. p. 182)
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, da controvérsia sobre a arbitrabilidade objetiva dos dissídios individuais trabalhistas, cinge-se na definição da disponibilidade ou da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, tópico sobre o qual diverge a doutrina.
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Renomados doutrinadores são partidários da disponibilidade dos direitos trabalhistas, segmento da qual são adeptos Yoshida 7
"E de fato grave é o equívoco contido na afirmação de que o direito trabalhista é indisponível, pois desconsidera as nuances e a complexidade dessa proposição, tanto é que a própria Justiça do Trabalho enfatiza as conciliações em processos trabalhistas, em que a transação e a renúncia de direitos invariavelmente acontece." (YOSHIDA, Márcio. A Arbitragem e o Judiciário Trabalhista.
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Revista Brasileira de Arbitragem, Porto Alegre, n. 6, p. 7-17, 1º abr. 2005. Trimestral. p. 11)
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, Carmona 8
"A dúvida, portanto, acerca da arbitrabilidade de controvérsias trabalhistas acaba sendo restrita às relações jurídicas ainda em curso, concluindo alguns estudiosos que em tais casos não seria aceitável a solução arbitral por conta da natureza protetiva do direito do trabalho. Não me parece que tal restrição - genericamente posta - possa ser aceita, pois mesmo em sede de relações de trabalho em curso há largo espaço para a atuação da vontade dos contratantes, revelando-se aqui também a disponibilidade do direito." (CARMONA, op. cit., p. 59-60)
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e Amaral 9
"Volvendo ao instituto da arbitragem, somos da opinião de que tal mecanismo somente deveria ser proposto como meio de solução de controvérsias individuais e isto tanto no serviço público quanto no setor privado, ao contrário, assim, do que prevê o projeto ora em estudo." (AMARAL, Lídia Miranda de Lima.
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Mediação e arbitragem: uma solução para os conflitos trabalhistas no Brasil. São Paulo: LTr, 1994. p. 57)
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, pugnando pela possibilidade dos direitos trabalhistas serem sujeitos ao juízo arbitral.
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Em outro extremo, concentram-se os sectários da indisponibilidade dos direitos individuais dos trabalhadores, corrente cujo sequaz mais destacado é Delgado 10
DELGADO, Maurício Godinho.
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Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002. p. 1429.
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, para quem a "fórmula arbitral" não contém força suficiente para "esterilizar, ou mesmo atenuar" o princípio da indisponibilidade de direitos.
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Por envolver a controvérsia um princípio do ramo especializado do direito do trabalho e a categoria da indisponibilidade dos direitos, antes de se definir pela indisponibilidade ou não dos direitos trabalhistas, apresenta-se como questão primordial a reconstrução das figuras jurídicas do princípio e da indisponibilidade na teoria geral do direito, para em seguida abordá-las no interior do microssistema do direito do trabalho.
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2 RESGATE DA NOÇÃO DE PRINCÍPIOS E DE INDISPONIBILIDADE
Para reconstrução da noção de princípio toma-se como ponto de partida sua concepção etimológica, com raiz no grego e origem no latim principium, com o significado de início, começo e poder 11
BARRETO, Vicente de Paulo.
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Dicionário de filosofia do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 657.
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Segundo o vocabulário técnico e crítico de filosofia de Lalande, extraído da obra de Boulanger 12
BOULANGER, Jean. Príncipes généraux du droit et droit positif.
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In: Le Droit Privé Français au Milieu du XXe. Siécle, Études Offertes à Gerges Ripert, t. I. p. 51.
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, citado por Bonavides: "Chamam-se princípios, dizem os filósofos, o conjunto de proposições diretivas às quais todo o desenvolvimento ulterior se subordina".
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Nesse sentido, é o ensinamento de Celso Antonio Bandeira de Melo, para quem:
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"Princípio, já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo." 13
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio.
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Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 817-818.
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Todos os ramos do conhecimento científico são dotados de "verdades fundantes" consolidadas em enunciados genéricos tidos como alicerces de condição e validade de todas as ilações componentes desse conhecimento sistematizado, dada sua evidência ou comprovação, além de razões de ordem prática, por auxiliar na sua compreensão, aplicação, integração e composição14
Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 303-304.
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Ciente de sua singularidade, Canaris 15
Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
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, após apontar as inconsistências das normas, dos valores, dos conceitos e dos institutos jurídicos, sugere que o sistema jurídico será melhor formatado se composto por uma ordem teleológica de princípios gerais do Direito, por ser dotado das seguintes características: a) não vale sem exceção e pode entrar entre si em oposição ou em contradição; b) não tem pretensão da exclusividade; c) ostenta o seu sentido próprio apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas; d) precisa, para sua realização, de uma concretização através de subprincípios e valores singulares, com conteúdo material próprio.
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Apresentando a evolução histórica dos princípios, Paulo Bonavides 16
Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 255-283.
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informa que, ultrapassadas as fases do jusnaturalismo e do juspositivismo, e contando com as imprescindíveis contribuições de Crisafulli, Esser, Müller e Dworkin, dentre outros, no pós-positivismo foi reconhecida pela doutrina dominante a normatividade, a juridicidade ou a positividade dos princípios, como corroborado por Bobbio 17
Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999. p. 158.
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, em cuja ótica "os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. [...] Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras".
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Com essa evolução doutrinária encerrou-se o conflito entre princípios e normas, passando-se a reconhecer que as normas seriam o gênero do qual o princípio e a regra seriam as espécies 18
"Mas é necessário sabermos, não obstante, que os princípios - como veremos mais adiante - também são normas." (GRAU, Eros Roberto.
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O direito posto e o direito pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 22)
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, bem como se estabeleceu a preponderância hierárquica, formal e material, dos princípios sobre as regras, na pirâmide normativa a ponto de sua violação consistir na mais alta infração jurídica para Paulo Bonavides, segundo o qual "[...] quem os decepa arranca as raízes da árvore jurídica" 19
BONAVIDES, op. cit., p. 276 e 288.
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, no que é acompanhado por Celso Antonio Bandeira de Mello, que assim se manifesta:
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"Violar um princípio é muito mais grave do que violar uma regra. A não-observância de um princípio implica ofensa não apenas a específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra." 20
BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 817-818.
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Em suma, os princípios de cada ramo específico do Direito, como os relativos ao direito do trabalho, servem de base do sistema jurídico do trabalho, não sendo admissível a existência de contradição entre as regras e os princípios, posto estarem estes acima do direito positivado 21
Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1996. p. 19-20.
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, orientação que cumpre ser observada inexoravelmente na interpretação de todo o ordenamento jurídico.
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2.2 Noção de indisponibilidade
Para exata compreensão da noção de indisponibilidade, parcela da doutrina 22
"Temos que a indisponibilidade de direitos, lembra antes de mais nada, uma idéia antagônica, isto é, a disponibilidade de direitos." (CAMARGO, Antonio Bonival.
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Princípios e ideologias aplicados na relação de emprego. São Paulo: Edipor, 2000. p. 203)
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enceta sua apreciação introduzindo a noção de disponibilidade para então alcançar o contorno da indisponibilidade.
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Contribui para tanto Carmona 23
CARMONA, op. cit., p. 56.
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, ao lecionar que:
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"Diz-se que um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Assim, são disponíveis (do latim disponire, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto."
Complementa Silva 24
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da.
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Principiologia do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 122.
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que, frente à impossibilidade de o ordenamento jurídico regular a atividade humana em sua inteireza, existem espaços vazios não normatizados, no âmbito dos quais é viável a manifestação da autonomia da vontade dos particulares, inclusive do "poder de disposição", constituído pela faculdade do indivíduo de se desfazer de uma parcela de seu patrimônio, por meio de negócio jurídico de disposição, desde que não contrarie o restante do sistema jurídico, organizando da forma que melhor lhe aprouver seus interesses, sintetizando Camargo 25
CAMARGO, op. cit., p. 203.
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que a disponibilidade se resumiria "no conceito estrito e técnico de ato jurídico que implique na diminuição de bem patrimonial".
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Em lógica contraposição, a indisponibilidade consistiria na limitação à manifestação da autonomia da vontade, traduzindo-se, segundo Antonio Ojeda Avilés, citado por Silva, na "limitação à autonomia individual pela qual se impede um sujeito, com legitimação e capacidade adequadas, de efetuar total ou parcialmente atos de disposição sobre um determinado direito" 26
Lá renuncia de derechos del trajador. Madrid: Instituto de Estúdios Políticos, 1971. p. 36.
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Aprofundando a compreensão da (in)disponibilidade como característica dos direitos subjetivos, Coutinho 27
COUTINHO, Aldacy. A indisponibilidade de direitos trabalhistas.
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Revista da Faculdade de Direito da UFPR, América do Sul, 33 7 07 2005, p. 10.
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e Camargo 28
CAMARGO, op. cit., p. 204.
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destacam que a disponibilidade se relacionaria mais com um bem, enquanto que a indisponibilidade seria mais voltada para os direitos integrantes do patrimônio do indivíduo.
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A irrenunciabilidade, a intransigibilidade, a incedibilidade, a impenhorabilidade, a inseqüestrabilidade e a incompensabilidade comporiam as demais garantias dos direitos indisponíveis absolutos no desempenho dos efeitos de garantia contra ação executiva por parte de terceiros e de restrição ao poder de disposição do possuidor do direito, passando a indisponibilidade a ser relativa na ausência de alguma dessas garantias por determinação legal 29
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Com esteio nessa concepção de indisponibilidade revela-se inadmissível acolher a proposição de Talamini 30
TALAMINI, Eduardo. Sociedade de economia mista. Distribuição de gás. Disponibilidade de direitos. Especificidades técnicas do objeto do litígio. Boa-fé e moralidade administrativa.
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Revista de Arbigtragem e Mediação, São Paulo, n. 5, p. 135-154, 1º abril 2005. Trimestral, p. 145-146.
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, quando enuncia ter a indisponibilidade duplo significado na esfera do direito material, sendo o primeiro identificado como "impossibilidade de pura e simplesmente se renunciar a um determinado direito", como os poderes de polícia e de legislar do Estado, e o segundo atrelado à "proibição de espontaneamente se reconhecer que não se tem razão e se submeter voluntariamente ao direito alheio", o que incumbiria exclusivamente a jurisdição. Concluindo o ilustre processualista que apenas na segunda acepção de "indisponibilidade" não seria admissível o emprego da arbitragem.
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A inadmissibilidade do raciocínio reside na impropriedade de criar distinção onde a legislação e a doutrina não ousam diferenciar - na noção de indisponibilidade - além de não distinguir com exatidão a atribuição homologatória do Poder Judiciário em contraposição à possibilidade de se reconhecer e de se sujeitar ao direito alheio, suposição em que sequer haverá conflito a ser dirimido. Exempli gratia, a inconsistência da argumentação é identificada na recente possibilidade das separações e divórcios serem efetuados perante Tabelionatos mediante escritura pública com o advento da Lei nº 11.441/2007, subtraindo a exclusiva atuação jurisdicional, sem que os direitos relacionados à matéria perdessem a qualidade de indisponíveis.
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Com fulcro nesse sucinto levantamento concernente à noção de indisponibilidade e de princípio (item 2.1), ultrapassa-se pré-requisito elementar para melhor abordagem da questão proposta quanto à inserção dos direitos trabalhistas na reserva especial estabelecida pelo Estado com o fito de pôr a salvo os interesses essenciais dos indivíduos e da coletividade 31
CARMONA, op. cit., p. 56-57.
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3 A INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS
3.1 A indisponibilidade como princípio do direito do trabalho
Antes de qualquer incursão doutrinária no ramo especializado do direito do trabalho, imprescindível ter-se consciência de que o espírito que preside toda a dinâmica do direito do trabalho é o de proteção jurídica à pessoa do trabalhador 32
, a ponto de Camargo 33
CAMARGO, op. cit., p. 119.
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afirmar que a proteção é o "objetivo da lei trabalhista, que traz por finalidade precípua proteger o trabalhador".
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Recorda Silva 34
que essa proteção é conferida, dentre outras, pelas seguintes razões:
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"De outra parte acham-se os trabalhadores em situação de debilidade econômica em face dos empregadores, que os leva a se submeterem às imposições destes, escudadas no seu poderio, o qual lhes permitiria fazer valer no contrato de trabalho a lei do mais forte se não houvesse um sistema normativo destinado a corrigir tais desigualdades com a criação de outras desigualdades [...]."
Com o fito de equilibrar essa desigualdade é que foi construído o micro-sistema trabalhista, por meio do qual é conferida superioridade jurídica ao empregado contrabalançando a superioridade econômica e hierárquica patronal, beneficiando o trabalhador, por exemplo, ao considerar ilícita qualquer alteração promovida nas condições de trabalho durante a sua vigência, ainda que com o consentimento do trabalhador, quando resultar em prejuízo direto ou indireto deste, nos moldes do art. 468, da Consolidação das Leis do Trabalho.
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E imbuído dessa tônica protetiva é que se deve analisar todo o arcabouço do direito do trabalho, que tem o princípio da proteção como critério orientador e fundamental, "pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador" 35
RODRIGUES, op. cit., p. 28.
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. E como elemento de proteção ao trabalhador é que um dos princípios mais relevantes do direito individual do trabalho consiste na indisponibilidade dos direitos trabalhistas 36
DELGADO, op. cit., p. 211.
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O fundamento da indisponibilidade dos direitos do trabalhador, para Santoro-Passareli 37
SANTORO-PASSARELLI, Francesco.
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Nozioni di diritto del lavoro. 6. ed. Nápoles, 1952, p. 211.
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, citado por Rodrigues, seria questão de coerência do ordenamento jurídico, posto não ter sentido num primeiro momento conferir amparo jurídico ao obreiro economicamente mais fraco por meio da legislação protetiva, e posteriormente não garantir a observância dessa mesma legislação, possibilitando ao trabalhador despir-se desse abrigo, argumentação na qual é acompanhado por Silva 38
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Por sua vez, Delgado 39
DELGADO, op. cit., p. 196-197.
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assevera que "a indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo principal utilizado pelo direito do trabalho, para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego", servindo como expediente hábil para tornar efetiva a liberdade do empregado na dinâmica da relação de emprego, geralmente restringida pelo estado de dependência que se encontra frente ao contratante, o que lhe impede inúmeras vezes de manifestar livremente sua vontade.
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Como terceiro fundamento, Antonio Ojeda Avilés 40
La renuncia de derechos del trabajador. Madrid: Instituto de Estúdios Políticos, 1971. p. 42 e 61.
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, citado por Silva, fulcra a limitação imposta ao jus disponendi, que qualifica como "grave cerceio à liberdade jurídica do homem", no interesse geral da coletividade, que corresponderia em última instância aos interesses de ordem pública, entendidos como tais "a infra-estrutura da comunidade, o complexo de princípios e idéias que informam a legislação e a convivência social".
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Acresça-se a moderna visão apresentada por Coutinho 41
COUTINHO, op. cit., p. 16.
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, sobre o fundamento da indisponibilidade, de viés constitucional e sistêmico da relação trabalhista, âmbito no qual atuam poder e ausência de poder (subordinação), que impõe a tutela do indivíduo envolvido na atividade empresarial em detrimento do capital:
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"O caráter de indisponibilidade dos direitos dos trabalhadores decorre da própria natureza e de sua função social; não se trata de assegurar os interesses inseridos em mera relação obrigacional, patrimonial, senão de assegurar os direitos sociais, fundamentais, de um Estado que se institui como democrático, acolhendo na constituição a primazia do trabalho sobre o capital, a garantia da preservação da dignidade humana, de forma a construir uma sociedade justa, livre e solidária que garanta o desenvolvimento nacional, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, com a promoção do bem de todos, sem discriminação. Palavras da Constituição."
Corroborando a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, a Consolidação das Leis do Trabalho apresenta três dispositivos que atestam a impossibilidade do trabalhador de dispor dos direitos legalmente assegurados, quais sejam, os arts. 9º, 444 e 468 42
"Art. 9º Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."
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"Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes."
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"Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia."
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Extrai-se do conteúdo desses três artigos que ao patrão e empregado é vedado, de modo amplo, na estipulação das condições contratuais de trabalho ajustar parâmetros inferiores aos "patamares mínimo e máximo estabelecido pelo ordenamento jurídico, quer em lei, quer em instrumento normativo da categoria, sob pena de nulidade" 43
COUTINHO, op. cit., p. 12-13.
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. Em outras palavras, a autonomia da vontade das partes envolvidas na relação de emprego é restrita frente à indisponibilidade dos direitos trabalhistas assegurados nas fontes antes mencionadas, ainda que haja consentimento do empregado.
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Inafastável, portanto, a conclusão de plena vigência do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, definição que torna insustentável a tese defendia por Yoshida 44
YOSHIDA, op. cit., p. 183.
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quando vaticina que "está claro que o dogma da indisponibilidade dos direitos individuais trabalhistas não pode mais servir como objeção ao uso da arbitragem", sob pena de afetar-se toda a solidez do sistema jurídico trabalhista.
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3.2 A irrenunciabilidade como princípio do direito do trabalho
A "renúncia é havida como um ato jurídico de disposição de determinado bem, de caráter extintivo, resolutório e abdicativo, previsto no art. 7º da CF" 45
CAMARGO, op. cit., p. 193.
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, unilateral e atinente a um direito certo e existente. Conseqüentemente, a irrenunciabilidade importa na supressão da faculdade do titular de um direito privar-se voluntariamente do mesmo, regra do direito do trabalho 46
"Portanto, são irrenunciáveis os direitos que a lei, as convenções coletivas, as sentenças normativas e as decisões administrativas conferem aos trabalhadores, salvo se a renúncia for admitida pela lei ou se não acarretar uma desvantagem para o trabalhador ou um prejuízo à coletividade [...]" (SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas.
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Instituições de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, v. I, 1991. p. 206)
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e exceção no direito comum 47
BARAÚNA, Augusto Cezar Ferreira de.
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Manual de direito do trabalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 62 e 64.
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Os fundamentos doutrinários da irrenunciabilidade, em razão do elevado interesse do Estado na sua observância 48
MORAES FILHO, Evaristo; MORAES, Antonio Carlos Flores de.
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Introdução ao direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 88.
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, coincidem com os da indisponibilidade, ao considerar a condição de fragilidade do trabalhador "em relação à superioridade do empregador, que detém o poder econômico e a faculdade de demitir ou admitir uma nova relação jurídica" 49
BARAÚNA, op. cit., p. 62.
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, enquanto que o seu fundamento legal decorre do art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, que declara nulos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos nela contidos.
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A fim de iluminar a discussão a respeito da arbitrabilidade dos litígios individuais trabalhistas, indispensável desfazer-se a confusão 50
"[...] não poucas vezes a noção de indisponibilidade vem confundida com a de irrenunciabilidade de direitos ou de imperatividade de regras jurídicas." (COUTINHO, op. cit., p. 9)
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existente entre as noções de indisponibilidade e de irrenunciabilidade dos direitos, objeto do presente tópico, com a demonstração de que a irrenunciabilidade também consiste em um dos princípios do direito do trabalho 51
"Dissemos uma verdade que nem todos querem reconhecer: a irrenunciabilidade dos direitos pelo trabalhador constitui um princípio fundamental, e mais do que isto, peculiar do direito do trabalho." (SILVA, op. cit., p. 124)
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Em razão da indisponibilidade e da irrenunciabilidade referirem-se a limitações à autonomia da vontade, a doutrina vem utilizando indistintamente os termos 52
COUTINHO, op. cit., p. 13.
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, o que dificulta a definição da arbitrabilidade dos dissídios individuais do trabalho.
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O doutrinador Américo Plá Rodrigues 53
RODRIGUES, op. cit., p. 69.
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traz, como princípio do direito do trabalho, a irrenunciabilidade, apresentando o princípio da indisponibilidade, "mais profundo e transcendente", como seu fundamento.
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De idêntica forma, Luiz de Pinho Pedreira da Silva 54
trata da indisponibilidade como um subitem inserido no capítulo do princípio da irrenunciabilidade com a seguinte esquematização: 1. O poder de disposição; 2. A indisponibilidade dos direitos; 3. A irrenunciabilidade de direitos; 4. A transação; 5. O recibo de quitação; 6. Jurisprudência.
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Confirmando a falta de clareza no emprego das noções de indisponibilidade e de irrenunciabilidade, Delgado, em elucidativa lição quando da abordagem do princípio da indisponibilidade, esclarece que:
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"É comum a doutrina valer-se da expressão irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas para enunciar o presente princípio. Seu conteúdo é o mesmo já exposto, apenas adotando-se diferente epíteto.
Contudo a expressão irrenunciabilidade não parece adequada a revelar a amplitude do princípio enfocado. Renúncia é ato unilateral, como se sabe. Entretanto, o princípio examinado vai além do simples ato unilateral, interferindo também nos atos bilaterais de disposição de direitos (transação, portanto). Para ordem justrabalhista, não serão válidas quer a renúncia, quer a transação que importe objetivamente em prejuízo ao trabalhador." 55
DELGADO, op. cit., p. 197.
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Essa maior abrangência do princípio da indisponibilidade no direito do trabalho também é identificada na ótica de Américo Plá Rodrigues 56
RODRIGUES, op. cit., p. 70.
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e Coutinho 57
COUTINHO, op. cit., p. 11.
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, segundo os quais "a tutela imperativa do trabalhador é mais ampla no concernente aos atos de disposição", assumindo a indisponibilidade as formas da irrenunciabilidade e da intransigibilidade.
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Assim, com espeque nos referidos doutrinadores, é possível afirmar que o princípio que vige no direito do trabalho é o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, gênero do qual são espécies ou emanações os princípios da irrenunciabilidade e da intransigibilidade, dentre outros.
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4 A EXTENSÃO DOS LIMITES DA AUTONOMIA DA VONTADE NO DIREITO TRABALHISTA
4.1 Extensão do princípio da indisponibilidade
Como já investigado no item 3, efetivamente a indisponibilidade constitui princípio basilar do ramo especializado do direito do trabalho, materializado na legislação pelos dispositivos insertos na Consolidação das Leis do Trabalho, quais sejam, os arts. 9º, 444 e 468, cujos reflexos imediatos são a irrenunciabilidade e a intransigibilidade desses direitos.
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Todavia, alerta Delgado 58
DELGADO, op. cit., p. 212.
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que "a indisponibilidade inerente aos direitos oriundos da ordem justrabalhista não tem, contudo, a mesma exata rigidez e extensão. Pode-se, tecnicamente, distinguir entre direitos imantados por indisponibilidade absoluta ao lado de direitos imantados por uma indisponibilidade relativa".
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Prossegue referido doutrinador esclarecendo que, no âmbito do direito individual do trabalho, no qual a indisponibilidade absoluta é mais ampla que no direito coletivo, a indisponibilidade será absoluta "quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico" 59
DELGADO, op. cit., p. 212-213.
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ou "quando o direito enfocado estiver protegido por norma de interesse abstrato da respectiva categoria" 60
DELGADO, op. cit., p. 213.
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, exemplificando com o direito à assinatura da CTPS, ao salário mínimo, à incidência das normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador.
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Por sua vez, a indisponibilidade seria relativa "quando o direito enfocado traduzir interesse individual ou bilateral simples, que não caracteriza um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico", como, por exemplo, na modalidade de salário a ser paga ao trabalhador, se em montante fixo ou variável, cuja licitude dependerá da ausência de prejuízo ao empregado.
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Outra distinção reside no fato da indisponibilidade relativa admitir a transação daquele direito, condicionada a ausência de prejuízo ao empregado a quem incumbe o ônus da prova da lesão, nos moldes do art. 468, da Consolidação das Leis do Trabalho, enquanto independem da prova de prejuízo as hipóteses de indisponibilidade absoluta 61
DELGADO, op. cit., p. 213.
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Em seu exaustivo estudo, menciona ainda Delgado 62
DELGADO, Maurício Godinho.
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Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. p. 48.
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a prescrição e a decadência como alternativas de supressão de direitos laborais sem violação ao princípio da indisponibilidade.
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Embora se reconheça a existência de limites ao princípio da indisponibilidade, não prospera a tese de que com o rompimento do contrato de trabalho deixaria de estar presente a condição de inferioridade do empregado em relação ao empregador, que viciaria sua vontade presumidamente 63
"O vício de consentimento do trabalhador hipossuficiente, que porventura poderia contaminar a transação, deixa de assombrar esse negócio jurídico, pois cessa o eventual temor reverencial implícito na vigência do contrato de trabalho e a ascendência hierárquica do patrão sobre o trabalhador, após a rescisão contratual." (YOSHIDA, op. cit., p. 182)
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"Por outro lado, acabou por solidificar-se a impressão de que não haveria qualquer restrição à solução arbitral de controvérsias trabalhistas oriunda da relação jurídica finda, eis que tais controvérsias estariam ligadas exclusivamente a verbas indenizatórias, revelando-se, portanto, a natureza disponível dos direitos em disputa." (CARMONA, op. cit., p. 59-60)
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, possibilitando assim a renúncia de direitos por parte do empregado.
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Foi Peretti Griva, citado por Silva, quem "desmascarou" a mendaz tese, ao elucidar que, mesmo quando rompido o contrato de trabalho, persiste o empregado adstrito a certo grau de "temor reverencial" em relação ao empregador, inferior àquele presente na constância da relação contratual, o que, todavia, não cria condições suficientes para o exercício da plena autonomia de vontade do empregado, sobretudo ao considerar-se a ignorância em relação à correta extensão de seus direitos, à ausência de nova colocação no mercado de trabalho, à conseqüente carência de fonte de renda fixa para suprir as prementes necessidades, à delonga de uma demanda judicial, circunstâncias que fragilizariam seu poder de negociação frente ao empregador, premendo-o a aceitação de valores ínfimos em troca da satisfação das necessidades mais elementares de subsistência, acrescendo ainda que:
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"O senso humano da vida deve, portanto, determinar o magistrado a avaliar com muita prudência - mantendo-se afastado da iniqüidade do summu jus - o alcance de um recibo liberatório outorgado depois da cessação do trabalho e a ter em conta as circunstâncias de cada caso que possam orientar seu julgamento na busca da verdade." 64
GRIVA, Peretti Griva. Los recibos por saldo en las relaciones de trabajo. In:
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Derecho del trabajo, Buenos Aires, 1941, p. 56.
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No que é acompanhado por Rodrigues 65
RODRIGUES, op. cit., p. 70-71.
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, ao lecionar que, em razão da especial incapacidade jurídica do empregado, fixa a norma a invalidade de possíveis renúncias ou transações, "tanto nos casos em que tais negócios são concluídos no ato de constituição da relação de trabalho ou durante a mesma, como nos casos em que eles são celebrados depois de seu término", legitimando a última hipótese "pela necessidade de reforçar a posição do trabalhador frente ao empresário, assegurando a igualdade das partes".
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A incidência do princípio da indisponibilidade, inclusive quando rompida a relação de emprego, impõe a observância de determinadas cautelas no lapso que lhe segue, principalmente no que pertine à quitação das verbas decorrentes do vínculo empregatício envolvendo ou não o instituto da transação, cuja incidência no campo do direito do trabalho será abordada no item que segue.
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4.2 Transação no direito individual do trabalho
Parcela da doutrina 66
A disponibilidade dos direitos trabalhistas relativos a contratos rescindidos é flagrante e insofismável, caso contrário seria impossível existir o instituto da conciliação na Justiça do Trabalho, um dos fundamentos do moderno direito processual do trabalho e alvo principal da ação trabalhista." (YOSHIDA, op. cit., p. 182)
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"Quanto aos conflitos individuais, embora não se deixe de reconhecer o caráter protetivo do direito laboral, é fato incontestável que nem todos os direitos inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho assumiriam a feição irrenunciável pregada pela doutrina especializada mais conservadora: se assim não fosse, não se entenderia o estímulo sempre crescente à conciliação (e a conseqüente transação), de tal sorte que parece perfeitamente viável solucionar questões trabalhistas que envolvam direitos disponíveis através da instituição do juízo arbitral." (CARMONA, op. cit., p. 59)
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favorável à adoção da arbitragem como meio de solução alternativa dos conflitos individuais de trabalho ancora-se no argumento da suposta incoerência entre os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e a ênfase dada pela Justiça do Trabalho ao instituto da transação (conciliação), inclusive com a criação das Câmaras de Conciliação Prévia, por meio da Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que admitiria a transação extrajudicial de litígios envolvendo direitos trabalhistas.
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Em verdade, a incoerência não é identificada entre os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas com a conciliação, mas sim no argumento adotado por essa fração da doutrina que repetidamente faz confusão, nessa oportunidade, entre os institutos da renúncia, da transação, da arbitragem e das câmaras de conciliação prévia 67
"INSTITUTO DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM - EQUIPARAÇÃO À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA - PREVISÃO CONVENCIONAL NULA - É nulo dispositivo convencional que equipara instituto de conciliação e arbitragem particular à comissão de conciliação prévia para fins de acordo em litígio trabalhista. A Lei nº 9.958/2000 não admite, especialmente para a eficácia liberatória plena de débitos trabalhistas, outra conciliação que não a celebrada por CCP exclusivamente composta por representantes das categorias." (TRT 9ª R., Proc. 02628-2002-018-09-00-9 (RO 07124-2003), (06707-2004), Rel. Juiz Celio Horst Waldraff, DJPR 16.04.2004)
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Na lição de Silva 68
e Baraúna 69
BARAÚNA, op. cit., p. 624.
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, distinguem-se renúncia e transação em razão da primeira consistir em negócio jurídico unilateral e sem contraprestação, que recai sobre direitos certos, enquanto que, por sua vez, a transação é negócio jurídico necessariamente bilateral, mediante o qual as partes juridicamente vinculadas, fazendo despojamentos recíprocos, extinguem obrigações litigiosas, duvidosas, direitos incertos ( res dubia) ou conflitantes, de ordem patrimonial, a partir de livre convencimento por mútuo acordo.
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Equivocado, dessa feita, traçar considerações a respeito da incoerência entre a transação de direitos trabalhistas e sua característica de irrenunciabilidade, posto tratarem-se de institutos com distintos elementos.
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De idêntica sorte, o instituto da transação não se confunde com o da arbitragem, eis que, enquanto "[...] na arbitragem, não são as próprias partes que determinam a solução de suas diferenças e conflitos [...]" 70
, incumbência que é conferida a um terceiro, alheio às partes, por sua vez, na conciliação, um terceiro, que nem propõe nem decide, intermediará junto aos envolvidos, oferecendo informações que auxiliem no sentido de que "as próprias partes possam, mediante múltiplas e recíprocas concessões, conduzir o desenvolvimento do processo de modo que considerem mais conveniente" 71
.
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Poder-se-ia contra-argumentar que a transação implica em uma renúncia por parte dos envolvidos como sustenta Giglio 72
"Assim é que o acordo de vontades entre empregados e empregadores, implica, e na verdade resulta de uma (ou mais) das seguintes atitudes: renúncia do direito, pelo trabalhador; reconhecimento do direito deste, pelo empregador; e transação, sendo esta a mais freqüente das três."
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"Se como exposto no item anterior, em princípio os direitos assegurados por lei ao trabalhador são irrenunciáveis, e se a transação implica renúncia, não poderia o direito do trabalho admitir a transação. Entretanto, admite. E, mais do que isso, incentiva a conciliação, que contém transação, na maioria dos casos." (GIGLIO, Wagner.
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A conciliação nos dissídios individuais do trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1997. p. 42 e 53)
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, motivo pelo qual não seria viável ao direito do trabalho admitir o instituto da transação.
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Todavia, a transação perpetrada no âmbito dos direitos trabalhistas, denominada de conciliação, é dotada de características específicas, na lição de Delgado, in verbis:
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"Conciliação, finalmente, é o ato judicial, através do qual as partes litigantes, sob interveniência da autoridade jurisdicional, ajustam solução transacionada sobre matéria objeto de processo judicial. A conciliação, embora próxima as figuras anteriores, delas se distingue em três níveis: no plano subjetivo, em virtude da interveniência de um terceiro e diferenciado sujeito, a autoridade judicial; no plano formal, em virtude de ela se realizar no corpo de um processo judicial; podendo extingui-lo parcial ou integralmente; no plano de seu conteúdo, em virtude da conciliação poder abarcar parcelas trabalhistas não transacionáveis na esfera estritamente privada." 73
DELGADO, op. cit., p. 212.
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Portanto, a conciliação - transação realizada em juízo -, não obstante importar em parcela de renúncia, é admissível exclusivamente diante do juiz do trabalho, sendo válido referido ato de vontade, "pois nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo" 74
Direito do trabalho. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 98.
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, a ponto de Stafforini 75
Derecho procesal social. Buenos Aires: TEA, 1955. p. 513.
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, citado por Giglio, afirmar que "antes de proposta a ação os direitos são irrenunciáveis, e portanto, nulas as transações, mas em juízo, as transações são válidas, porque as razões que as impediam foram eliminadas".
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5 A HERMENÊUTICA E O SISTEMA JURÍDICO
Frente às considerações traçadas até essa altura, coloca-se em xeque o diagnóstico de que "a arbitragem em matéria trabalhista caminha a passos firmes, consolidando-se como o mais eficaz meio alternativo à Justiça Estatal de que se tem notícia na história do nosso direito do trabalho" 76
YOSHIDA, op. cit., p. 184.
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Referida conclusão tem por base, fundamentalmente, decisões favoráveis 77
"Administrativo. FGTS. Movimentação da conta pelo empregado. Despedida sem justa causa homologada por sentença arbitral. Possibilidade. Precedentes (REsp 707.043/BA, REsp 676.352/BA, REsp 675.094/BA e REsp 706.899). 1. O art. 20, I, da Lei nº 8.036/1990 autoriza a movimentação da conta vinculada ao FGTS em caso de despedida sem justa causa, comprovada com o depósito dos valores de que trata o seu art. 18 (valores referentes ao mês da rescisão, ao mês anterior e à multa de 40% sobre o montante dos depósitos). 2. Atendidos os pressupostos do art. 20, I, da Lei nº 8.036/1990, é legítima a movimentação da conta do FGTS pelo empregado, ainda que a justa causa tenha sido homologada por sentença arbitral. Precedentes. 3. Recurso especial a que se dá provimento." (STJ, 1ª T., REsp 778154-BA, DJ 24.10.2005, p. 221)
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proferidas pela Justiça Federal em mandados de segurança impetrados face a Caixa Econômica Federal, que se negava a autorizar o levantamento do saldo de conta vinculada do FGTS mediante apresentação de rescisão de contrato de trabalho homologado por sentença arbitral.
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Contudo, não se pode atribuir às referidas decisões o peso argumentativo que tentam impor os sectários da arbitragem como meio de solução alternativa dos conflitos trabalhistas, por duas razões.
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Em primeiro lugar, em razão da impossibilidade de homologação da rescisão do contrato de trabalho pela via arbitral 78
Súmula do Tribunal Superior do Trabalho nº 330: "QUITAÇÃO - VALIDADE (MANTIDA) - RES. 121/2003, DJ 19, 20 E 21.11.2003 -
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A quitação passada pelo empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da CLT, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas.
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I - A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, conseqüentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda que estas constem desse recibo.
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II - Quanto a direitos que deveriam ter sido satisfeitos durante a vigência do contrato de trabalho, a quitação é válida em relação ao período expressamente consignado no recibo de quitação".
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, o que revela a inexistência de conflitos entre as partes, mas mero intuito patronal de obtenção de quitação integral de verbas decorrentes do contrato de trabalho.
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Em segundo lugar, em razão da "aparente" ausência de prejuízo ao empregado nas hipóteses analisadas pela Justiça Federal nos mandados de segurança envolvendo a Caixa Econômica Federal, que inclusive adotam como razão de decidir o benefício auferido pelo empregado com a liberação do saldo da conta vinculada do FGTS, ato que não violaria o princípio da indisponibilidade. Quiçá fosse denotado qualquer prejuízo ao empregado, outra poderia ser a conclusão das decisões que reconheceram a validade da homologação da rescisão contratual via juízo arbitral.
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O que se manifesta nas entrelinhas do discurso pró-arbitragem das demandas trabalhistas, não seria demasiado afirmar, consiste na existência de vigorosa tendência excessivamente simplificadora dos questionamentos envolvendo a temática da arbitrabilidade subjetiva e objetiva, a ponto de Almeida 79
ALMEIDA, op. cit., p. 79-80.
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constatar um movimento do "favor arbitral", consubstanciado numa inclinação universal "no sentido de expandir-se o âmbito de arbitrabilidade e de prestigiar-se uma forte presunção em favor da arbitrabilidade decorrente da própria existência de uma convenção de arbitragem".
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Entretanto, a afronta proporcionada por esse movimento do "favor arbitral" a um princípio do ramo especializado do direito do trabalho não se coaduna com uma visão evolutiva do Direito, correspondendo com mais exatidão a uma mutação teratogênica do sistema jurídico trabalhista, na precisa lição de Branco 80
BRANCO, Ana Paula Tauceda.
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A colisão de princípios constitucionais no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 19.
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"Indiscutivelmente a sociedade, em geral, sofre uma crise sem precedentes - a nosso ver! - afinal vive-se um afrouxamento de valores. Isso tem reflexo certo no âmbito do Direito, visto que se refere a uma ciência social e, como tal, intimamente ligada à dinâmica social, motivo pelo qual os rumos que perpassam a sociedade geram eco imediato, ou pelo menos deveriam gerar, no seio da ciência jurídica.
À conta disso, por pertencermos a uma geração de profissionais e de estudiosos do Direito que, por conta do destino ou por desígnio divino, acabamos vivenciando este momento histórico de uma 'crise' inimaginável; pois, no que concerne à própria ciência do Direito e, especialmente, no que tange ao Sistema Jurídico nacional, esse afrouxamento de valores é patente e, sem dúvida, na perspectiva holística da sociedade e do Estado, vem influenciando sobremaneira o Direito, na pessoa de seus pensadores e profissionais, a ponto de, por vezes, parecer fragilizar aos seus próprios institutos fundantes.
Como o direito constitucional é o viés maior do direito do trabalho - motivo pelo qual adotamos, em regra, a designação deste ramo como Direito Constitucional do Trabalho - é certo que mencionada crise atingiu, em cheio, a regulação das relações individuais e coletivas do trabalho humano, propondo-lhe mutações, por vezes teratogênicas, em nome da 'modernização' de seus fundamentos elementares e - quiçá - das premissas constitucionais vigentes, na medida em que atinge e afeta, violentamente, a proteção de direitos fundamentais constitucionais."
Ao defender uma abordagem descomprometida dos princípios que inspiram o direito do trabalho, sobrepondo as regras em detrimento do conteúdo teleológico dos direitos sociais do trabalho, a toda evidência a exegese produzida por esses operadores do direito, partidários da incidência da solução arbitral para os dissídios individuais, será distorcida e prejudicial ao sistema jurídico como um todo. Distorção que cumpre ser corrigida por intermédio do reconhecimento da Constituição Federal como topos interpretativo de todo o ordenamento jurídico.
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5.2 Interpretação sistemático-constitucional
A interpretação que infere pela inaplicabilidade do procedimento arbitral na resolução dos dissídios individuais trabalhistas não se traduz em "uma certa antipatia (política, sobretudo!) dos doutrinadores juslaboralistas em relação à solução arbitral de conflitos especializados" 81
CARMONA, op. cit., p. 60-61.
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Decisões como a proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região que "determinou à entidade privada que se auto-intitula 'tribunal' a abster-se de atuar em dissídios trabalhistas de natureza individual e coletiva" 82
"AÇÃO RESCISÓRIA-ARBITRAGEM - DISSÍDIOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS DE TRABALHO -TRIBUNAL PRIVADO - I - O disposto no art. 625-A da CLT (que trata das Comissões de Conciliação Prévia) afasta completamente a hipótese de aplicação da Lei nº 9.307/1996 (arbitragem) aos dissídios individuais do trabalho. [...] II - [...] III - As expressões 'tribunal' e 'juiz' devem ser reservadas aos Membros do Poder Judiciário, nos termos do art. 92 da Constituição Federal, sob pena de induzir em erro as pessoas que necessitam da tutela do Estado para solução de conflitos. IV - Não há violação de dispositivo legal nos termos da sentença, proferida nos autos de Ação Civil Pública, em que se determinou à entidade privada que se auto-intitula 'tribunal' a abster-se de atuar em dissídios trabalhistas de natureza individual e coletiva." (TRT-PR 06013-2006-909-09-00-8, ACO-25185-2006, Seção Especializada, Rel. Tobias de Macedo Filho, publicado no DJPR em 29.08.2006)
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, pautam-se pela visão mais adequada do ordenamento jurídico como um sistema, intimamente ligado à Constituição Federal como norte interpretativo.
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A sistematização é a parte mais científica da ciência do direito, a ponto de Bobbio alertar para o fato de que "[...] o sistema não é bem o ordenamento tal como é estabelecido pelo legislador, mas como é elaborado pelo cientista do Direito [...]" 83
O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 202.
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. No Direito, o conceito de sistema está ligado ao de totalidade jurídica, seus limites e as relações entre o sistema jurídico e aquilo a que ele não se refira 84
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio.
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Conceito de sistema no direito: uma investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 129.
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A busca pela ordem e coerência do ordenamento jurídico (unidade), a interação desse ordenamento com os seus elementos internos e com elementos externos (abertura), a eliminação de antinomias e a integração de lacunas decorrentes dessa interação (completude), constituem as variáveis com que o cientista do direito terá de lidar quando da investigação da teoria dos sistemas jurídicos.
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Essa abordagem sistemática do ordenamento jurídico implica em uma mudança de perspectiva na aplicação do Direito, compatibilizada à Constituição da República, através da conexão axiológica entre a operacionalização do Direito aos casos concretos e a Constituição da República, que define os valores e os princípios fundantes da ordem pública.
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Compartilhando dessa ótica, Juarez de Freitas propõe o seguinte conceito de sistema:
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"Uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram substanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição." 85
A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 40.
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Por essa trilha, Delgado destaca que é "necessário relembrar a absoluta prevalência que a Carta Magna confere à pessoa humana, à sua dignidade no plano social, em que se insere o trabalho, e a absoluta preponderância deste no quadro de valores, princípios e regras imantados pela mesma Constituição" 86
DELGADO, op. cit., p. 1429.
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Assim, imprescindível aos operadores/intérpretes do direito a compreensão da necessidade e do valor de ordem normativa constitucional inquebrantável e de que essa ordem constitucional não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana.
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Na vertente civilística, esse fenômeno é dominado pelos doutrinadores de constitucionalização do direito civil, e definido por Santos como:
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"O fenômeno pelo qual a ordem civil, ordinariamente privada, é submetida às diretrizes da Lei Maior, direta ou indiretamente. Não se cinge, portanto, àquelas situações em que há regra constitucional regulando, específica e diretamente, assuntos afeitos à ordem infraconstitucional. Mais que isso, preconiza a submissão a que toda sistemática civil se sujeita, em sede hermenêutica. Enuncia obediência restrita às diretrizes, delineamentos e pautas axiológicas traçadas pela Carta Política. Pois, não há mais dúvida de que é o Direito Civil que deve ser interpretado segundo a Constituição, jamais o contrário." 87
SANTOS, José Camacho. O novo código civil brasileiro em suas coordenadas axiológicas
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E sendo a Constituição o topo de todo o sistema jurídico, impende concluir que o movimento favorável à opção da arbitragem como método alternativo de solução é com ela incompatível e conseqüentemente com todo o ordenamento jurídico, por ferir o valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV/CF), ao depor contrariamente à vigência do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, incidindo assim na mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade como visto no item 2.1 - violação de um princípio.
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1. A doutrina nacional não é pacífica quanto à arbitrabilidade objetiva dos dissídios individuais trabalhistas, precipuamente em razão da indefinição quanto à indisponibilidade dos direitos trabalhistas.
2. Os princípios, espécie do gênero norma, apresentam-se como o elemento mais adequado para composição do ordenamento jurídico, servindo-lhe como alicerce de condição e validade, importando sua violação a mais grave infração jurídica.
3. A indisponibilidade atua na limitação da autonomia da vontade, impedindo o titular de desfazer-se de um bem jurídico seu, em defesa dos interesses da coletividade, abrangendo em sua extensão a irrenunciabilidade, a incedibilidade, a impenhorabilidade, a inseqüestrabilidade e a incompensabilidade.
4. A indisponibilidade consiste em princípio com plena vigência na esfera do direito do trabalho, como elemento protetivo do trabalhador, atuando para equilibrar juridicamente a desigualdade econômica e hierárquica em relação ao empregador, inclusive após cessado o vínculo empregatício.
5. Inserido no princípio da indisponibilidade como uma sua emanação, incide sob a esfera jurídica do trabalhador o princípio da irrenunciabilidade.
6. Não há contradição entre os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade e a ênfase conferida pela Justiça do Trabalho ao instituto da transação ou das Câmaras de Conciliação Prévia, sendo inadmissível confundir-se os institutos da transação, da renúncia e da arbitragem.
7. Parcela da doutrina nacional aderiu a um movimento pró-arbitragem, genérico e excessivamente simplificador dos entraves da sua aplicação em determinados ramos do Direito, como o trabalhista. Movimento esse que viola frontalmente o princípio da indisponibilidade do direito do trabalho, incidindo assim na mais grave infração ao ordenamento jurídico.
8. Esse menosprezo principiológico é sintomático da crise de valores que atinge a sociedade, com naturais reflexos no campo jurídico, exempli gratia, gerando interpretações que não se coadunam à adequada visão sistemático-constitucional do ordenamento jurídico.
| Observação Editorial Síntese 1) As opiniões publicadas neste artigo são de exclusiva e integral responsabilidade do(s) autor(es), não refletindo, necessariamente, a opinião do Editorial Síntese. |
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