terça-feira, 16 de abril de 2013

Mero aborrecimento x dano moral

MÁRCIA FABIANA PÓVOA E UBERTH DOMINGOS CORDEIRO




A utilização da expressão "mero aborrecimento ou dissabor cotidiano" é exaustivamente repetida em atos normativos decisórios atinentes ao Direito do Consumidor. Diversas sentenças, decisões monocráticas e acórdãos prolatados pelos diversos órgãos do Poder Judiciário, afastam a reparação civil por danos morais fulcradas na expressão citada acima, e que faz parte do título de nossa explanação.

Aliás, não se pode descurar que referida interpretação enobrece o descaso, e encoraja a atitude destemida de maus fornecedores de produtos e serviços no mercado de consumo. A priori, não há que se falar em indústria do dano moral, e sim há que se falar em indústria de maus fornecedores de empresas de prestações de serviço que a cada dia subestimam a parte hipossuficiente na relação de consumo, ou seja: o consumidor.

No que consiste o mero aborrecimento ou mero dissabor cotidiano exaustivamente utilizados na fundamentação jurídica denegatória do dano moral? Como é facilmente constatado, a interpretação da expressão "mero aborrecimento ou dissabor cotidiano" é eivada de elementos subjetivos e de valores e costumes. “Com efeito, de ordens diversas se conjugam as pessoas na vida social, mantendo-se inúmeros de seus laços à luz das figuras básicas da teoria das fontes, que assim se mostra presente em todos os campos do Direito Civil.” (BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos Contratos e dos Atos Unilaterais – 1ª ed. – Rio de Janeiro-RJ: Forense Universitária, 1990. p. 06.)

O entendimento jurisprudencial pátrio consolidado posiciona-se que "mero aborrecimento ou dissabor cotidiano" é um fato contumaz e imperceptível que não atinge a esfera jurídica personalíssima do indivíduo, sendo um fato da vida, não repercutindo no nada altera o aspecto psicológico ou emocional de alguém.

E não sobeja nenhum tipo de dúvida que a indenização deve primeiramente, levar em conta a conduta e situação da vítima e do réu, isto é, a dor física e moral da vítima, a repercussão do fato vexatório e danoso, a condição financeira das partes envolvidas, o grau de culpa do réu, a inversão do ônus da prova e etc. E principalmente, o efeito educativo, ou “corregedor” da decisão, desestimulando entendimentos iguais ou em entendimentos assemelhados em erros futuros.

Considerando o perfil econômico do querelante - consumidor e do querelado - fornecedor, a gravidade e efeitos da repercussão da notícia danosa, bem como a contextualização dos fatos no momento em que ocorreram e, cabalmente comprovada à ocorrência do dano moral e o dever da Requerida em ressarcir o Requerente em uma demanda judicial. “O CDC, que possui vida própria, autônoma e compatível ao vigente sistema constitucional, passou por pequenas alterações desde seu surgimento, motivadas por novas leis como o Código Civil em 2002. Apesar de o CDC ser uma lei forte, exibe ainda deficiências nas relações de consumo com empresas aéreas, operadoras de planos de saúde, administradoras de cartões de crédito, imobiliárias, construtoras, provedores, instituições financeiras, telefonias fixa e móvel, comércio eletrônico. Também falta eficácia nas necessárias garantias pelos fabricantes, somadas ao número escasso de representantes técnicos destes.” (MARQUES, André. Dia do consumidor. Disponível in Acesso 24/03/2013.)

Na realidade, o que se verifica, tendo em tela a importância dos estudos sobre dano moral, é que o consumidor continua sendo martirizado por meio de uma interpretação estapafúrdia e equivocada do texto legal, ferindo o espírito e a própria vontade do legislador ao normatizar as relações de consumo.

Márcia Fabiana Lemes Póvoa Bou-Karim, advogada; sócia – escritório Póvoa & Póvoa Advogados Associados; membro – Comissão de Direito do Consumidor – Seccional OAB/GO; Uberth Domingos Cordeiro, advogado; sócio – escritório Pedro Cordeiro da silva e Advogados Associados; membro – Comissão de Direito do Consumidor – Seccional OAB/GO)




http://www.dm.com.br/texto/106811-mero-aborrecimento-x-dano-moral

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Clique para Entrar