sábado, 16 de fevereiro de 2013

SÁBADO SAGRADO


Sábado sagrado
A liberdade de crença religiosa é um dos direitos
humanos fundamentais, e deste direito decorre
o de não ser penalizado por praticar os preceitos
religiosos próprios. Foi esta a motivação de uma
decisão judicial em São Paulo, que garantiu a
uma estudante adventista o direito de não fazer
provas aos sábados
A guarda do sábado é uma prova de fé para
milhares de pessoas que seguem religiões
como a adventista e as judaicas. Para os
“sabatistas”, como são conhecidos esses fieis, o
período que começa no pôr do sol de sexta-feira
e vai até o pôr do sol de sábado é reservado a
Deus. Uma dedicação que quase sempre vem
acompanhada de transtornos. Quando não
é possível contornar a situação pela via do
diálogo, a alternativa pode ser recorrer à Justiça,
caminho que tem sido trilhado por um número
cada vez maior de brasileiros.
Quem faz questão de respeitar as orientações
da igreja justifica o comportamento considerado
radical por muita gente. “A essência
é lembrar que este mundo foi criado por um
Deus. Então um dia da semana você descansa e
agradece a Deus pelo que você trabalhou. É um
dia pra refletir”, explica o rabino Yossi Alpern.
A recomendação é que esse dia sagrado seja
usado para rezar ou repousar. Isto significa que
essas pessoas não devem trabalhar, estudar e
nem fazer provas. Para o pastor da Igreja Adventista
Cássio Marcelo de Servi, o sábado é um dia
santo. “A Bíblia nos fala que Deus criou o mundo
em seis dias e, no sétimo, Deus descansou, santificou
e abençoou. Ou seja, esse dia é especial,
para adoração”, resume Cássio.
A estudante Quielze Miranda, que tem 20
anos, cresceu em um lar adventista, seguindo
todas as doutrinas da religião. Exatamente por
isso, para ela, o sábado sempre foi sagrado. “Eu
tenho a Bíblia como a única regra de fé e prática
que eu levo pra minha vida, então eu aceito isso
pra minha vida. Eu acredito que é a vontade de
Deus que está escrita na Bíblia. É por isso que
eu sigo”, justifica. Foi essa crença que, no final
de 2011, trouxe um problema para a jovem, que
estuda Relações Internacionais na Universidade
Sagrado Coração, em Bauru, São Paulo.
Segundo a grade curricular da faculdade, a
estudante teria que frequentar aulas nas noites
de sexta-feira e nas manhãs de sábado. Para não
correr o risco de ser reprovada por faltas, Quielze
sugeriu à coordenação do curso compensar
suas ausências com a realização de pesquisas e
trabalhos. “Eu não esperava ter esse pedido negado.
Geralmente, algumas faculdades aceitam.
Mas, infelizmente, a faculdade não entendeu a
minha situação” lamenta.
A estudante se refere ao fato de que hoje,
em boa parte dos casos, a situação é resolvida
na base do acordo. Os estudantes conseguem a
liberação depois de apresentar à faculdade um
documento da igreja ou sinagoga confirmando
a impossibilidade de o aluno frequentar a escola.
Erica Resende e Carolina Villacreces – São Paulo (SP)

No caso de Quielze, como a instituição de
ensino não aceitou a proposta de compensação,
o assunto chegou à Justiça Federal em Bauru.
No processo, a estudante sustenta que tentou
negociar com a faculdade durante todo o ano,
mas teve seus pedidos negados. O advogado
Alex Ramos Fernandez destaca que a liberdade
de crença está prevista nos artigos 5º e 9º
da Constituição Federal e também em tratados
internacionais adotados pelo País. “A legislação
brasileira prevê que a universidade ofereça opções
para a aluna a fim de que ela preserve sua
prática religiosa”, explica.
Este foi o argumento apresentado na ação,
que terminou com a vitória da estudante paulista.
O juiz federal Marcelo Zandavali, que analisou
o caso, esclarece que não se trata de privilégio
para a aluna e sim de um direito. “É o direito de
crença. Nesses casos, as instituições superiores
devem oferecer alternativas ao aluno, para que
ele possa compensar as ausências nas sextas e
sábados”, explica o juiz.
Muitas vítimas
Os transtornos enfrentados por Quielze
Miranda estão longe de ser exceção. Em todo o
País, muitos outros universitários, que seguem
à risca os ensinamentos da Igreja, também precisam
driblar essas dificuldades. O estudante
de Geofísica André Arelaro faz questão de dizer
que os sacrifícios realmente são muitos. “Durante
a faculdade tive problema com uma matéria
em que a prova teria que ser feita aos sábados.
Conversei com o professor e com a direção da
faculdade e expliquei que eu não poderia ir por
causa da religião. Ambos compreenderam minha
situação e me deixaram fazer as provas nas
sextas pela manhã”, recorda André.
Quielze e a família ficaram felizes com a
decisão da Justiça. A jovem sabe que ainda terá
muitos desafios na vida em função da religião
que resolveu seguir, mas afirma que o principal
é lutar e ter os direitos garantidos. “Para mim,
essa vitória é muito importante porque a liberdade
religiosa é um direito de todo cidadão. E,
no meu caso, ela consiste em se ter o direito
de faltar às aulas de sábado. É uma questão de
sobrevivência na universidade. Eu espero que a
sociedade veja isso como um exemplo de que
todas as religiões, todas as diferenças, devem ser
respeitadas”, afirma.
O pai da estudante, Ezequiel Miranda, vai
além. Ele diz acreditar que a decisão judicial
alimenta a polêmica e pode fomentar o debate
sobre a questão da liberdade religiosa no País.
“Isso vai ajudar o Brasil no sentido de melhorar
a discussão sobre liberdade religiosa, de
rever essa questão, esses conceitos. Fiquei
contente também em ver a dedicação e a seriedade
com que ela defende seus princípios.
É muito bom viver por princípios, estou feliz
com isso”, conclui.





Enem para sabatistas
O assunto é tão sério que os organizadores
do Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem) oferecem uma
condição especial para quem guarda
o sábado. Já no momento da inscrição,
os chamados “sabatistas” devem
informar a restrição religiosa. No dia
do exame, eles devem chegar aos locais
de prova junto com os demais os
candidatos para serem levados a um
lugar apropriado, onde ficam isolados
até o pôr do sol. E só então começam
a responder à prova.
Empresas que organizam outros
exames e concursos públicos também
vêm adotando procedimentos específicos
para atender aos sabatistas. Lucas
Chung, que é adventista, passou
por essa situação quando prestou
vestibular em 2009. Para ele, todo o
sacrifício valeu a pena. “A questão é
se acostumar a respeitar os costumes
religiosos. E é muito importante conseguirmos
conciliar isso no trabalho,
nos estudos, na vida. Tudo para celebrar
o sábado, celebrar o dia em que
Deus descansou”, conclui Lucas.


Revista Via Legal – Ano V – número XIII – jan./abr. 2012



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